Este ano, ninguém escapou de ouvir, nas rádios, na televisão ou mesmo sendo cantarolada por alguém na rua, a música Você Não Vale Nada. Gravada pelo grupo sergipano Calcinha Preta, a música fez parte da trilha da novela global O Caminho das Índias, tema da personagem Norminha, vivida pela atriz Dira Paes.
A banda, que está na estrada há 13 anos, viu sua popularidade invadir os quatro cantos do Brasil, inclusive a parcela mais sofisticada do eixo Rio-São Paulo. Essa música é a mais nova representante de uma vertente curiosa da música popular brasileira, que é a politicamente incorreta. Mais precisamente, quando a mulher acaba sendo tratada de forma não muito gentil, digamos assim, nos relacionamentos afetivos.
A coisa começou de forma mais sutil, em 1941, quando Ataulfo Alves fez sucesso com Ai Que Saudades da Amélia, parceria dele com Mário Lago. Amélia era a mulher que não reclamava, que fazia tudo o que o marido queria e chegava a passar fome ao lado do cara. Fica fácil de entender o porque a mulher submissa ganhou o apelido de Amélia..... Nos anos 60, a Jovem Guarda foi além, e nos trouxe mais alguns exemplos.
O sempre romântico Roberto Carlos mostrou as suas garras em Eu Não Presto Mas Te Amo, que fez sucesso em gravações de Demétrius e também de Reginaldo Rossi. Nela, o Rei fala para a mulher amada que ele pode até não prestar, mas que a ama. Essa música pode ser considerada inspiração para Você Não Vale Nada, do Calcinha Preta, pois o tema não é muito distante.
O parceiro Erasmo Carlos atacou de Minha Fama de Mau, na qual dá uma de durão com a namorada, não a deixando fazer nada. Roberto Carlos, por sinal, deu uma avacalhada involuntária nas mulheres nos anos 90 quando gravou Coisa Bonita em homenagem às gordinhas. Ou você acha que chamar uma mulher de coisa bonita, coisa gostosa é lá muito gentil? Pisou na bola, Robertão.....
Nos anos 70, quem criou muita polêmica foi Martinho da Vila com um samba que foi até tema de novela, Você Não Passa de Uma Mulher. Sobrava até para as mulheres intelectualizadas. Curiosamente, ele voltou a ser um campeão de vendas nos anos 90 com a música Mulheres, de Toninho Geraes, que retoma de forma mais polida o tema. Mas que ganhou uma versão informal bem baixaria.
E mesmo Angela Maria não resistiu e gravou uma música desse tipo de autoavacalhação, o sucesso Amor Que Não Presta Não Serve Pra Mim.
Chico Buarque também tem a sua, que, de uma forma irônica, iguala homem e mulher na baixaria. Trata-se de Sob Medida, que estourou na voz de Fafá de Belém e cujo tema básico é: nós não valemos nada, mas nós gostamos um do outro, mas tudo dito de forma mais poética, como só Chico sabe fazer.
O sucesso mais avacalhado dos anos 80 nessa coisa da relação homem e mulher é de Agepê, sambista que em 1984/1985 vendeu mais de um milhão de cópias do disco que inclui Deixa Eu Te Amar, na qual ele dizia fazer de conta que era o primeiro, e que queria pegar a sua namorada e carregá-la no colo, deitá-la no solo e fazê-la mulher.
Pé na porta perde. O grupo Karametade trouxe de novo Deixa Eu Te Amar para as paradas de sucesso nos anos 90.
O rock anos 80 tem seu hit nessa praia, que é Eu Sou Free, do grupo feminino Sempre Livre, do qual a vocalista era Dulce Quental. A letra fala da garota que topa tudo, largada, livre (free) demais.
Os Raimundos eram conhecidos pela irreverência, e gravaram Mulher de Fases em 1999, música que há pouco foi regravada pela dupla Pedro & Thiago e na qual eles colocavam a namorada abaixo de zero, também.
Dá para perder a conta das canções do funk carioca que seguem essa linha avacalhando a mulherada, mas a campeã é provavelmente Um Tapinha Não Doi, cantada pela MC Beth e pelo MC Naldinho. E não se iluda: mais cedo ou mais tarde, mais sucessos com esse tema virão. Faz parte da tradição da música popular brasileira.